Maio veio com algumas mudanças um pouco demais na minha vidinha, e foi difícil arrumar tempo e, mais importante, concentração, pra entregar alguns textos minimamente dignos de serem enviados pra quem acompanha esse blog (?). Bom, o mês ainda não acabou, então minha passagem por aqui, neste último dia de maio, é pra dar algumas indicações rápidas de leituras e vídeos não tão rápidos assim sobre o tema central de A Contrapelo: Palestina.
Vou começar pelo fim: de onde a gente menos espera é que não sai nada, mesmo. Ontem, depois de, o quê, 19 meses de genocídio?, finalmente o esquisitinho preferido dos roqueiros inteligentes resolveu se pronunciar sobre a Palestina. Melhor: sobre Israel. Era melhor, no entanto, que tivesse ficado caladinho, fazendo seus sonzinhos bacaninhas e tal… mas não, Thom Yorke se sentiu muito provocado a escrever sobre a Palestina — ops, de novo! Sobre Israel.
Honestamente, eu não ligaria muito pra um artista qualquer falando a merda que fosse sobre o tema. Eu prefiro ficar ao lado dos que entendem que um genocídio jamais poderá ser normalizado, naturalizado, justificado, e tem muitos desse lado. Tem até gente meio escrota, meio chatinha, que traça uma linha que toda pessoa sensata deveria traçar: genocídio é, vejam só, errado! E é claro que tem um bando de facínora que trata com a maior naturalidade do mundo um processo de limpeza étnica transmitido em tempo real durante mais de um ano, e é a esse bando que eu ligo, agora, o líder da Radiohead — um bando que inclui, por exemplo, Amy Schumer e Jerry Seinfeld, e a pior atriz do mundo, aquela mesma…
O lance é que, no caso de Yorke, a questão Palestina atravessa a história das performances da Radiohead, seja porque foi lá que estouraram internacionalmente, seja porque Sharona Katan, esposa de Jonny Greenwood, vira-e-mexe presta todo seu apoio às Forças de Defesa de Israel, ou porque já tiveram problemas antes e inclusive foram solicitados por Roger Waters para não tocar em Israel, ou ainda porque, no ano passado, novamente chamado a se posicionar, o próprio Thom Yorke deu um chilique em um show na Austrália.
Mas dessa vez parece que o músico chutou o balde e as respostas, tirando uma meia dúzia de tarado por massacres, foi meio “Thom Yorke, porque você não vai se foder?”. Num pronunciamento através do Instagram, que eu não vou copiar aqui mas é facinho de achar, ele garantiu sua postura isentona no melhor estilo “mas e o Hamas?”. Sim, em pleno maio de 2025, depois que o mundo foi inundado com imagens grotescas e absurdamente violentas de sionistas assassinando palestinos e palestinas das mais variadas formas — incluindo atropelamentos com tanques de guerra, desmembramentos, decapitações, execuções sumárias, estupros e, agora, fome —, Thom Yorke está questionando “e o Hamas?”
Este preâmbulo todo é só pra, mais uma vez, repetir que se, ainda hoje, alguém tem alguma dúvida sobre quais são os planos sionistas para a “questão Palestina”, tá na hora de tirar a cabeça de dentro do próprio rabo. Ainda dá tempo, apesar de já ser tarde demais…
Notícias para Thom Yorke (por favor, façam chegar até ele!)
Para não me alongar demais, fecho as indicações apenas com notícias dessa última semana de maio. Pra começar, recomendo o sempre excelente
, que agora escreve aqui no Subs e é um pesquisador seríssimo. O último post dele traz um questionamento pertinente sobre o caso sionista em Israel, a partir de uma coluna de Ehud Olmert, ex-Primeiro Ministro de Israel. O tamanho desse caos tá resumido logo no comecinho do texto de Huberman:O Shin Bet revelou que a administração Netanyahu tinha conhecimento prévio do ataque palestino de 07/10 e optou por não agir. Também foi revelado que o Qatar enviou recursos ao Hamas por meio de integrantes do governo, que teriam desviado parte desses fundos. A tentativa de Netanyahu de destituir o diretor do Shin Bet, alegando "falta de confiança", intensificou a crise política no país.
O post completo tá aí embaixo, e sugiro de coração que assinem o Bruno aqui no Substack (e, se der, façam um plano pago, sempre bom remunerar nossos camaradas e companheiros de luta):
(O Bruno também tem um podcast junto com uma moçada sensacional lá da PUC-SP, ligados ao Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI), em parceria com o Centro de Estudos Árabes e Islâmicos (CEAI) da Universidade Federal de Sergipe. Eles contam de forma didática e muito aprofundada temas essenciais pra se compreender o que se passa no Oriente Médio e na Palestina — conceitos como o orientalismo, de Said, a relevância da Guerra dos Seis Dias, o colonialismo sionista etc.)
A tara sionista em atacar e destruir até os mínimos escombros os hospitais em Gaza foi tema de uma reportagem no Palestine Studies, assinada por Mohammad al-Naami. A abertura do texto dá o tom da crueldade enfrentada por palestinos desde o começo do massacre em outubro de 2023, num relato de Ahmad Al-Masri:
A pior coisa que já experimentei na vida foi caminhar entre os cadáveres para encontrar minha filha. Eu repetia mentalmente que ela estava usando um suéter de lã branca para que eu pudesse reconhecê-la entre as centenas de mártires e enterrá-la ao lado da mãe e do irmão — sem me distrair com as cenas horríveis ao meu redor. Mas o massacre não deixou nenhum vestígio de branco; tudo estava manchado de sangue e das cores da morte e do fogo. Não encontrei muitos corpos intactos. A maioria dos restos mortais dos mártires eram apenas partes de corpos. Procurei incansavelmente, mas não consegui encontrar minha filha. No entanto, reconheci o corpo da minha irmã — minha filha estava com ela. Imagine ter que ajudar a enterrar os mártires sem saber qual dos restos mortais espalhados pertencia à minha filhinha.
Talvez alguns de vocês, como eu, se lembrem que no começo da assim-chamada “guerra”, havia quem duvidasse de ataques de Israel a hospitais, escolas, centros de ajuda humanitária e coisas assim. Afinal, tudo teria uma limite, né? Mas chegamos em 2025 com pelo menos1.411 profissionais de saúde assassinados pelo Estado sionista; “Além disso, 362 profissionais de saúde foram presos e torturados, com três médicos executados sob tortura enquanto estavam detidos.” (Al-Masri, 2025, online)
Neste sentido, creio ser um tanto, digamos, curioso, o tuíte da Associated Press de ontem, 30 de maio, com um singelo “100% DE ‘GAZANS’ SOB RISCO DE FOME”. Uma informação absolutamente normal, certo? Quer dizer, cem por cento da população de Gaza (os “gazans”, não palestinos, Deus nos livre de humanizar os palestinos!) resolveu passar fome — pelo menos é isso que parece vir do tuíte de uma das maiores agências de notícias do mundo. Ninguém causou essa situação extremamente perigosa e atroz. Não existe sujeito perpetrando crimes contra palestinos em Gaza: eles se colocaram nessa situação alarmante.
Antes de encerrar as notícias que Thom Yorke deveria ler (e vejam, não são muitas, ele consegue ler rapidinho entre um pronunciamento merda e uma composição), um breve alerta para quem acha que o problema sionista está restrito a uma pequena parte de gente de extrema-direita que dá apoio a Netanyahu e seus planos grotescos: 82% da sociedade israelense é favorável à expulsão de palestinos de seu território em Gaza. 8 em cada 10 pessoas deseja se ver livre do incômodo palestino, concretizando os anseios de Moshe Dayan, David Ben-Gurion, Golda Meir e toda a sorte deplorável de sionistas.
A pesquisa também descobriu que uma minoria significativa apoia o massacre de civis em cidades inimigas capturadas pelo exército israelense. (Hazkani e Sorek, 2025, online)
Finalmente, uma reportagem na língua nativa oficial do líder da Radiohead: essa ele não tem desculpa nenhuma pra não ler. O problema, talvez, seja na interpretação…
Diretamente do site da rainha da comunicação pública, o exemplo citado em 11 de cada 10 encontros sobre jornalismo como uma missão social, comprometido com os valores mais caros da humanidade: a objetividade, a neutralidade, a imparcialidade e, é claro, a busca pela Verdade, com v maiúsculo mesmo, aquela informação incontestável e revolucionária. Vejamos, antes, o título que a BBC deu para um de seus mais recentes textos sobre a “guerra” em Gaza:
Ora, ora, “e o Hamas?”, hein?! Essa bando de terroristas está rejeitando um acordo de cessar-fogo proposta pelos EUA, a terra dos bravos e livres (desde que você não diga coisas como #FreePalestine, é claro!), com o qual Israel, pobre coitadinho, concorda plenamente. Mas quais são, afinal, os termos desse novo plano?
O funcionário do Hamas disse que a proposta não atendia às principais demandas, incluindo o fim da guerra, e que responderia no devido tempo. (Abualouf e Gritten, 2025, online)
Com quem não quer nada, os repórteres soltam essa informação crucial no meio de seu relato, para logo em seguida dar voz a Netanyahu e seus devaneios genocidas e contextualizações sobre o “conflito” (massacre). O Hamas, que preocupa e muito o senhor Thom Yorke, afirmou, mais uma vez (e isso tem sido recorrente), que o plano de cessar-fogo não inclui o fim da “guerra”; não é o Hamas que está propondo continuar a guerra: é Israel! Mas isso não é manchete. A manchete é que o Hamas está rejeitando (de novo) um plano de cessar-fogo, ainda que o essencial seja que o cessar-fogo não inclui o fim da guerra!
Espero que essas indicações sirvam para que Thom Yorke consiga ao menos descer do muro (um muro que tá mais pro lado sionista do que qualquer outra coisa). E se alguém ainda tem alguma dúvida do que querem os sionistas, que também sirva como um pequeno aprendizado das razões colonialistas que guiam o Estado de Israel.